Apelidado de "Evangelho da Mulher de Jesus", o fragmento descoberto não
traz informações confiáveis sobre a figura histórica de Cristo.
À
primeira vista, parece que o enredo do best-seller "O Código da Vinci"
virou fato: um fragmento de papiro que provavelmente data do ano 350 da
Era Cristã retrata Jesus usando a expressão "minha mulher". É bom ir
devagar com o andor, contudo.
Segundo a historiadora da
Universidade Harvard (EUA) responsável pela análise do texto antigo, que
ela apelidou de "Evangelho da Mulher de Jesus", o fragmento não traz
informações confiáveis sobre a figura histórica de Cristo, já que a
narrativa quase certamente teria sido composta séculos depois da morte
dele.
O que o texto mostra, no entanto, é o intenso debate sobre os prós e
contras do sexo e do casamento nos primeiros séculos do cristianismo
-uma controvérsia que ainda deixa marcas em temas como o celibato dos
padres ou a ordenação de mulheres, por exemplo.
O "Evangelho da
Mulher de Jesus" vem a público com uma aura de mistério, além da
inevitável polêmica que o tema do fragmento traz.
Sua procedência
exata é desconhecida. Sabe-se apenas que, em 2010, um colecionador de
antiguidades (cuja identidade, por enquanto, está sendo preservada)
mandou um e-mail para Karen King, especialista em cristianismo antigo da
Escola de Teologia de Harvard.
O colecionador queria ajuda para
traduzir o fragmento -uma única folha de papiro, medindo 8 cm de largura
por 4 cm de comprimento. O texto foi escrito em copta, idioma
descendente da língua dos faraós que era falado pela maioria dos
egípcios na época do Império Romano (e ainda é usado na liturgia dos
cristãos do Egito).
No ano passado, o dono do papiro concordou em
deixá-lo com King. A pesquisadora pediu a ajuda de outros especialistas
em papiros e na língua copta e acabou por decifrar o que restou do
texto (veja quadro acima). A descoberta foi anunciada pelo jornal "New
York Times".
Os fragmentos dizem, entre outras coisas, "Maria
[Madalena?] é digna disso" e, logo depois da menção a "minha esposa",
"ela será capaz de ser minha discípula" e "eu habito com ela".
Dá
para esperar um debate acadêmico feroz em torno do manuscrito. Entre os
especialistas que revisaram o artigo da revista especializada "The
Harvard Theological Review" no qual está a análise do manuscrito, dois
chegaram a questionar a autenticidade do material.
Outros
especialistas em papiros, no entanto, ressaltaram que o padrão de
manchas e fibras marcadas por tinta, já esmaecidas, seria difícil de
forjar. A datação do texto, por ora, é indireta, baseada no estilo da
escrita.
Já se sabe há tempos que o Egito foi palco de uma imensa
diversidade de ideias nos primeiros séculos do cristianismo. Prova
disso é a "biblioteca" de textos cristãos de Nag Hammadi, descoberta em
1945, na qual predominam os chamados textos gnósticos -corrente de
pensamento para a qual o mundo físico é obra de divindades malévolas, e
não de Deus.
Vem de Nag Hammadi o Evangelho de Filipe, também em
fragmentos, mas que mencionaria Jesus beijando Maria Madalena, que a
cultura pop atual vê como mulher de Cristo.
Durante os primeiros
séculos depois de Jesus, os cristãos estavam divididos a respeito de
como lidar com o sexo e o casamento. Uns, como o apóstolo Paulo,
defendiam que o celibato era a melhor opção, embora não condenassem o
casamento. Outros diziam que os melhores candidatos a líderes da igreja
eram os homens casados. E havia ainda os que condenavam todo tipo de
contato sexual. No caso de Jesus, o mais provável é que ele tenha mesmo
sido solteiro.
Fonte: Folha de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário